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segunda-feira, 19 de maio de 2008

A vida e a morte

Mas, ó ti António, ao que se deve sua tristeza, não me quer contar?O ti António continuava sentado no poial da sua porta, curvado, com os cotovelos apoiados nos joelhos e o queixo entre duas mãos sujas pelo tempo.

Ti António nada dizia. O sr. Jacinto , sentou-se a seu lado e quedou-se a olhar para quem passava.

A Aldeia tinha aí uma centena de almas. O calor abrasava.

Está calor, não está, ti António?

O seu olhar vidrado não se desviava do chão.

O compadre Ventura já tem outro neto, disse. Mais um, ele já deve de ter aí uma boa meis dúzia, não será ti António?

Não ouviu a novidade. Bem, hoje não se pode falar consigo, não está cá, nã é ?



Muitas boas tardes, ouve-se. Como vai a srª Maria. Ora, cá vou andando com as pernas cada vez mais inchadas, , já fiz por aqui uma mezinhas que me indicou a comadre Ermelinda, mas o mal está cá dentro, e só sai quando eu for para ao pé do meu Manel.



Ora, nã diga uma coisa dessas, que às vezes Deus até castiga.

Como me pode castigar, se toda a vida me fartei de trabalhar, criei os meus sete filhos, e nã criei mais porque Deus me levou quatro.

Trabalhei ali naquele monte , que o compadre conhece muito bem, e nã trabalhei mais tempo, porque depois da morte do sr. Sebastião, que Deus o guarde lá em cima, e dizendo estas palavras benzia-se ao mesmo tempo.



O pior foram os filhos, que estragaram tudo, deixaram muita gente desta Aldeia sem trabalho. Diz muito bem comadre Maria, ainda me recordo naquele dia em que o compadre Silva , num momento do diabo se atirou para dentro do poço do quintal do nosso compadre Saraiva, dalém do monte do Moinho Branco, e apontava direito ao monte.



É verdade, bom homem!

O que será dos filhos dele?

Dizem que desde que abalaram para Lisboa nunca mais cá apareceram.

Bom, vou além à venda do sr. Andrade comprar alguma coisa para o jantar.

Vá vá , e as melhoras das suas pernas. Obrigada diz a senhora já a meio do caminho.



Vê ti António, cada qual tem a sua sina!

Este, continuava na mesma posição, de cotovelos apoiados nos joelhos e cada vez mais distante!



Vá para dentro homem, vá comer qualquer coisa e vá descansar um pouco



A Aldeia já foi grande. Em tempos, teve uma escola cheia de crianças.

A Igreja enxia-se de fiéis aos domingos, hoje,apenas meia dúzia de anciões, que até já nem vão à Igreja, porque esta encontra-se fechada, já não tem conta o tempo.



As lojas fecharam quase todas, apenas restam duas das quase duas vintenas que existiam.

A loja do senhor Andrade pouco ou nada difere dos tempos em que a senhora Maria trabalhava no monte do senhor Sebastião.

Um grande balcão ao comprido, ainda com gavetas cheias de agulhas, elástico, alfinetes, molas, etc.

Na parede, numas prateleiras em madeira antiga haviavárias peças de tecido a metro.

Ao lado, no chão, algumas sacas escuras com feijão, grão e até arroz.

Tudo isto para ser vendido a pequenas porções; a Aldeia é pequena e as pessoas já não têm o mesmo puder de compra.

Talvez fosse isto que trouxesse o ti António muito triste!

A mulher tinha morrido com uma doença que nunca ninguém descobrira.

Filhos, teve dois, mas estes abalaram assim que se sentiram maiores, e poucas vezes voltaram à terra.

Até nem sabe se tem netos!



Ó senhora Clotilde, olhe que estão a chamá-la lá para os lados dos Olivais.

A mim? O que será o que me querem.

A senhora Clotilde, mulher bastante forte, não que estivesse bem alimentada, mas também porque pariu uma boa meia dúzia de moços. Trabalhou muito na lavoura, na herdade do sr dr. Antunes.

Era boa pessoa!

Tinha muita gente a trabalhar para ele, sempre teve uma palavra de simpatia para com os seus homens. E a senhora do senhor doutor, era uma santa, ela sabia como a vida era dura, pois era filha de pais com pequenas posses e também com muitos filhos. Tinha sido uma moça muito bonita.

Ainda hei-de casar contigo, dizia-lhe muitas vezes o menino João, filho do farmaceutico da Aldeia.

Ora o menino, é bem melhor não dizer asneiras, não vê que o menino não é moço para mim!

Hei-de ser, hei-de ser, vais ver.

O menino João tinha uns quatro anos a mais do que Mariana.

Foi estudar para o liceu de Beja e só regressava nas férias.

Mariana ajudava o pais na lavoura, terra arrendada, que o pai trazia no Monte do Mirante.



A senhora Clotilde estava tão pensativa que nem ouvia os gritos dos vizinhos a chamarem pelo seu nome.

Mas, porque está aquela gente a bradar por mim?

Saíu a correr. O peso do seu corto não a deixava correr muito,

O que se passa criaturas, gritou.

Foi o seu marido, o primo Anastácio que se matou! Foi no poço do compadre Figueira, estão lá outros a tentarem tirá-lo.

Ó meu Deus, eu já esperava, disse limpando o nariz

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