visitantes

terça-feira, 12 de agosto de 2008

O cheiro da terra

Já lá vão muitos anos desde o dia que te deixei. Não sabia que essa separação seria muito dolorosa para mim. Para trás, deixei a família que muito amava, principalmente a minha avó. Comecei a sentir a falta dos seus ralhos e dos seus mimos.
Até do pão que ela cosia eu tinha saudades, não havia pão em Lisboa que me soubesse bem. Sonhava com ela todos os dias!
Eu era menina, tinha apenas 10 anos! Nunca tinha saído do Alentejo. Em Lisboa sentia-me perdida, não sabia caminhar, não sabia falar e quase ninguém entendia o meu forte sotaque Alentejano . Sentia-me apertada, assim como apertada esteve a minha voz durante muitos anos.
Ia tendo notícias da família. De início, eu ia escrevendo várias vezes aos parentes mas sempre com ansiedade de saber notícias da minha avó.
Passaram seis dolorosos anos. Finalmente voltei ao Alentejo para umas curtas férias.
Abracei a minha avó com muita força, como que a compensá-la pelo tempo perdido. Era uma mulher muito bonita ! Adorava-me e eu recompensava-a com algumas traquinices!
Essas minhas férias foram como se Deus me tivesse aberto as portas do Paraíso!
Agora podia gritar à vontade, ninguém me mandaria calar, como muitas vezes me fizeram em Lisboa!
Voltei de novo à fonte com a minha avó, ajudei-a a carregar as infusas cheias de água fresca.
Também voltei a comer do seu pão!
Falei com todos os parentes e amigos. Perguntei pelo meu pai. Responderam-me que uns homens o tinham levado e que não voltaria tão cedo. Anos mais tarde fiquei a saber qual o local para onde o tinham levado !
Revivi os tempos antigos. Falei e adorei ver de novo a professora.
A aldeia estava na mesma. As mesmas vendas, a farmácia , o mesmo farmacêutico, o mesmo ferrador, o mesmo albardeiro, que por acaso era meu tio. Bom homem, pequenino e muito trabalhador. Cheguei a vê-lo com sacos cheios de trigo direito ao moinho que ficava no alto de um monte. No regresso, no seu lugar, trazia a farinha com a qual a minha avó fazia o tal pão saboroso que eu tanto falo.
Voltando às minhas curtas férias. Era Julho! As ceifas estavam feitas; já não havia papoilas, mas os grilos ainda cantavam. Todas as tardes percorria os montes, aqui e ali ia colhendo um raminho de urzes, giestas e rosmaninho.
Aproximou-se o dia do regresso. Nessa noite não dormi e chorei. Ia deixar de novo a minha avó.
Esta esteve sempre calada, nada dizia. Mas eu pressenti que já era a saudade que não a deixava falar. Dei-lhe um grande abraço e disse-lhe: adeus avó, vou para Lisboa. Ela virando a cara não permitiu que eu a beijasse, para que não visse uma lágrima furtiva que lhe tinha saltado dos olhos.
Montaram-me num burro, e levaram-me à estação da CP. Enquanto a visibilidade o permitia eu ia acenando à minha avó que se mantinha sentada no poial da sua porta.
Nunca mais a vi!
Voltei ao Alentejo anos mais tarde. Fiquei de novo na casa da minha avó, agora mais vazia.
A aldeia estava mais bela e acolhedora como sempre.
As pessoas já não são as mesmas, algumas já partiram.
As gentes foram desaparecendo, as searas foram substituídas por eucaliptos.
as suas fontes secaram. E aquele moinho onde o meu tio trocava o trigo pela farinha, já me não conhece, está morto ! As suas velas foram arrancadas pelo vento, o seu caminho já ninguém passa por ele.
Na Aldeia, porta sim porta não, uma está fechada!
Mas o cheiro, o tal cheiro a terra quente, ainda lá está.
Está , porque eu sinto-o !

Nenhum comentário: